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2 Recortes entre Filosofia e Arte Contemporânea

by Aline Reis

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BLOGDEARTE.ART
Me lembro de uma exposição do Vergara no Paço Imperial nos idos dos anos 90 do século passado, muita terra das Gerais impregnando as telas, a exposição de Marcos Chaves no Sergio Porto, sacos ocupavam toda a sala expositiva e o texto da curadora Ligia Canongia era ótimo. Em 1994, estudei com ela no Parque Lage, e para lá só voltaria mais de vinte anos depois. ​Démarches branca, classe média, carioca, tijucana, quase todos os meus parentes eram nomes de rua, muitos por serem descendentes do Estácio de Sá, tive casa em Petrópolis a vida toda e ali nos quase vinte quartos com seus tios e primos também foi mais do que uma escola para mim. ​Fiz comunicação social na Faculdade da Cidade, escolhi radialismo porque detestava a maneira como os jornalistas viam o mundo e as disciplinas de rádio e TV eram muito mais interessantes! O teatro, por exemplo, fiz no colégio e depois trabalhei como produtora (bem breve), fiz minha incursão no cinema em São Paulo (apenas um filme) e finalmente descobri a filosofia com um amigo na graduação. ​Para minha sorte, minha mãe era colega numa escola do município de uma professora da UERJ e da Escola Teológica do Mosteiro de São Bento, Zenilda Lopes da Siqueira, ela tinha sido aluna do Heidegger na Alemanha e passou a ser a minha tutora. Fiz pós e mestrado em Filosofia na Universidade Gama Filho, lá aceitavam alunos que não eram oriundos da graduação de filosofia. Escolhi Sartre. ​Me tornei professora universitária, lecionando em universidades particulares, para diversos cursos de graduação. ​Me casei e tive duas filhas. ​Em 2010, impulsionada por meu marido, fui fazer aula de colagem com a artista Lia do Rio numa galeria na Barra. ​De lá para cá, foram vários cursos com curadores e artistas, perseguindo o que sempre esteve presente em toda a minha trajetória: a relação entre arte e filosofia. A arte antes da filosofia. Ao longo dos últimos trinta anos ia sempre às exposições. Desde adolescentes fazia colagens, lia tudo sobre filmes e diretores estrangeiros, moda, cultura. Importante saber onde te colocaram ou até onde você conseguiu ir ou mesmo até onde você consegue… ALINE REIS | 6 julho 2021
O NADO BIOGRÁFICO
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Recortes entre Filosofia e Arte Contemporânea
Me lembro de uma exposição do Vergara no Paço Imperial nos idos dos anos 90 do século passado, muita terra das Gerais impregnando as telas, a exposição de Marcos Chaves no Sergio Porto, sacos ocupavam toda a sala expositiva e o texto da curadora Ligia Canongia era ótimo. Em 1994, estudei com ela no Parque Lage, e para lá só voltaria mais de vinte anos depois. ​Démarches branca, classe média, carioca, tijucana, quase todos os meus parentes eram nomes de rua, muitos por serem descendentes do Estácio de Sá, tive casa em Petrópolis a vida toda e ali nos quase vinte quartos com seus tios e primos também foi mais do que uma escola para mim. ​Fiz comunicação social na Faculdade da Cidade, escolhi radialismo porque detestava a maneira como os jornalistas viam o mundo e as disciplinas de rádio e TV eram muito mais interessantes! O teatro, por exemplo, fiz no colégio e depois trabalhei como produtora (bem breve), fiz minha incursão no cinema em São Paulo (apenas um filme) e finalmente descobri a filosofia com um amigo na graduação. ​Para minha sorte, minha mãe era colega numa escola do município de uma professora da UERJ e da Escola Teológica do Mosteiro de São Bento, Zenilda Lopes da Siqueira, ela tinha sido aluna do Heidegger na Alemanha e passou a ser a minha tutora. Fiz pós e mestrado em Filosofia na Universidade Gama Filho, lá aceitavam alunos que não eram oriundos da graduação de filosofia. Escolhi Sartre. ​Me tornei professora universitária, lecionando em universidades particulares, para diversos cursos de graduação. ​Me casei e tive duas filhas. ​Em 2010, impulsionada por meu marido, fui fazer aula de colagem com a artista Lia do Rio numa galeria na Barra. ​De lá para cá, foram vários cursos com curadores e artistas, perseguindo o que sempre esteve presente em toda a minha trajetória: a relação entre arte e filosofia. A arte antes da filosofia. Ao longo dos últimos trinta anos ia sempre às exposições. Desde adolescentes fazia colagens, lia tudo sobre filmes e diretores estrangeiros, moda, cultura. Importante saber onde te colocaram ou até onde você conseguiu ir ou mesmo até onde você consegue… ALINE REIS | 6 julho 2021
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TEXCIDO
Recortes entre Filosofia e Arte Contemporânea
Tudo parece alimentar o desejo de constituir uma urditura na trama de algo que possa a vir a ser um trabalho de arte. Godard sempre me pareceu muito familiar com uma “narrativa” de colagens:

“É preciso que o texto e a palavra venham também da imagem. Se a palavra não vem da imagem, ou não a toma por referência, ela é sobre a imagem ou sobre qualquer coisa. Ela é texto sobre texto. Falta algo”.

Muitos são os entorces que podem ocorrer quando as palavras estão em jogo. Venho me interessando pelos mais diferentes desdobramentos que alcançam uma obra, mesmo quando não estão lá no trabalho, o simples “ver” nomeando-as “traz para frente” a compreensão expulsando da boca uma simples palavra.


​Por que tenho a impressão de estar diante de uma “obra” quando vejo uma datada e penso em nomeá-la de “trabalho de arte” quando estou diante de uma criação nova (recente)?

Por que ora vejo a coisa da “obra-trabalho” ora a sua significação ora o que a semiótica opera? Por que as camadas que a arte contemporânea logra inundam todos os lugares da vida? E como é difícil responder as perguntas num texto regido por uma matéria prensada de gramática, de concordância e de lógica?

​Os textos “dizem” algo, apontam um sentido, mas não a direção “correta”. Como apontá-lo se por si só colocam amarras na interpretação das obras-trabalhos? E se o texto é o tecido que iremos esticar ou amassar ou cortar para enfim nos lançarmos à arte contemporânea (aqui estamos tratando apenas das artes plásticas), como não puxar os fios que nos ligam ao fazer e ao compreender?

O espaço aqui previamente encurtado em sua possível expansão está longe de atingir a força dos rebatimentos contidos nos diversos jogos da experiência da arte contemporânea.

ALINE REIS | 13 julho 2021
Elencar desejos, ideias e provocações parece ser “a maneira mais fácil” de alcançar uma primeira “ante sala” do edifício da arte. A (des)contaminação do mundo, se familiar ou estranho, parece dar ao artista um corpo. Precisamos nos vestir ou nos despir das imagens? O que devem possuir para manter a conexão com a realidade? O que estaria contaminado? A imaginação? A atmosfera esfumaçada e opaca desse pensamento é a forma mais visível do fog da exterioridade. As temáticas vão sendo sugeridas por gratuitidade, mas não o são. Há quem veja em todo o fundo a economia, embora ela mesma viva das expectativas do coletivo. Os vários tapumes que possam ser colocados entre o artista e o trabalho de arte, entre o curador e o artista, entre o público e o trabalho, entre muitos outros, são meros artifícios para ludibriar o que os lábios silenciosos sussurram: pura semântica. Isso porque vige mais do que uma integração entre arte e vida, uma junção mais material do que formal ou existencial. Os atores sociais são convidados a passarem para outra sala muito mais própria à negociação. Qual o sentido que está em jogo? Damos excessivo acento e valor ao sentido. A arte contemporânea tanto alarga os horizontes quanto condiciona abordagens de recepção. Das muitas adoções que vão embotando os sentidos, talvez a maior delas hoje seja ver sempre tudo em camadas. Recentemente fiz um curso sobre um literato russo e a temática não envolvia digressões e nem perspectivas assimétricas. Um choque. Acostuma-se a “ver” em profundidade, ao largo, de viés, em função de, sobretudo. O que é mais incrível é que ainda a obra mantenha uma integridade ímpar, mesmo que a fina abordagem da biografia queira roubá-la do seu percurso. Ainda sólida. Ainda desmanchando. Ainda soberba. ALINE REIS | 19 julho 2021
SEMÂNTICA
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Recortes entre Filosofia e Arte Contemporânea
Elencar desejos, ideias e provocações parece ser “a maneira mais fácil” de alcançar uma primeira “ante sala” do edifício da arte. A (des)contaminação do mundo, se familiar ou estranho, parece dar ao artista um corpo. Precisamos nos vestir ou nos despir das imagens? O que devem possuir para manter a conexão com a realidade? O que estaria contaminado? A imaginação? A atmosfera esfumaçada e opaca desse pensamento é a forma mais visível do fog da exterioridade. As temáticas vão sendo sugeridas por gratuitidade, mas não o são. Há quem veja em todo o fundo a economia, embora ela mesma viva das expectativas do coletivo. Os vários tapumes que possam ser colocados entre o artista e o trabalho de arte, entre o curador e o artista, entre o público e o trabalho, entre muitos outros, são meros artifícios para ludibriar o que os lábios silenciosos sussurram: pura semântica. Isso porque vige mais do que uma integração entre arte e vida, uma junção mais material do que formal ou existencial. Os atores sociais são convidados a passarem para outra sala muito mais própria à negociação. Qual o sentido que está em jogo? Damos excessivo acento e valor ao sentido. A arte contemporânea tanto alarga os horizontes quanto condiciona abordagens de recepção. Das muitas adoções que vão embotando os sentidos, talvez a maior delas hoje seja ver sempre tudo em camadas. Recentemente fiz um curso sobre um literato russo e a temática não envolvia digressões e nem perspectivas assimétricas. Um choque. Acostuma-se a “ver” em profundidade, ao largo, de viés, em função de, sobretudo. O que é mais incrível é que ainda a obra mantenha uma integridade ímpar, mesmo que a fina abordagem da biografia queira roubá-la do seu percurso. Ainda sólida. Ainda desmanchando. Ainda soberba. ALINE REIS | 19 julho 2021
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CADA PRESSÃO DAS MÃOS
Recortes entre Filosofia e Arte Contemporânea
Acordo tarde mas não quero que o dia acabe. Tomara que a noite não chegue! Quem gosta de arte contemporânea tem esse tipo de percepção. Estamos numa corrida ? Atrasados? Alguns artistas se irritam com as discussões teóricas. Outros se deleitam quando alguém escreve sobre a prática. As palavras são sempre necessárias? Sabemos que não. O que esperar dos nossos trabalhos? Há quem não tenha nenhuma dessas marcações como marco de aproximação. Cada pressão da mão sobre um tema repercute em muitas outras discussões. Estamos submetidos aos ditames do coletivo, da historicidade e das métricas teóricas passadas? Construímos a partir de nossos privilégios? Todas essas discussões estão submetidas aos momentos passados da história da arte? Entrelaçar as perguntas parece ser uma chave interpretativa mais próxima ao fazer da arte, não para apontar uma direção, nem para chegar a uma forma totalizante. O desejo de totalização não parece ser próximo à arte contemporânea. Vige nela uma dimensão espaço/temporal/ um horizonte de sentido e de apreensão que se dá sempre a cada vez que as mãos pressionam no estado das coisas. Eu tenho fome. Embaralham vida cotidiana, o homem que berra lá embaixo, a decadência de sempre, o não saber para onde se vai. A dinâmica existencial não serve somente para consumo interno. Ela vincula imagens e sons no projeto de arte. Muitos são os perfis de curadoria que procuram suscitar perguntas aos artistas: por onde começa, de onde se vem e como se dão as capturas do processo. A história de vida parece ser um índice. Dos vários caminhos que podem coexistir para o interesse em fazer arte, a teoria ainda é um lugar possível. Chegada ou partida no ritmo da pressão na qual as coisas se dão. ALINE REIS | 27 julho 2021
Quando pensamos na arte contemporânea e na maneira como ela se move vemos que ela não se move numa reta, mas em curva alterando constantemente a sua direção. Os espaços são precários e problemáticos? O que liga os vários trabalhos de arte? Por que tentar chegar ao contemporâneo, em vez de ficar somente falando sobre o contemporâneo? As várias visualidades que foram aparecendo coladas a forma como a tematizamos nos levaram a reconhecer novas suposições (e hipóteses) tanto incidindo no processo que vige no trabalho de arte, quanto nos vários desdobramentos que estão por vir… ​O que colecionamos? Interpretações? Nisso me pego amando Warburg e a maneira com a qual alinhou e agrupou as problemáticas. Se há lacunas no mundo contemporâneo e essas são vivenciadas, se condicionam o nosso sistema de valores sobre os quais nossa cultura se baseia ao experienciar a arte, tudo isso passa a ser significativo no acontecer da percepção da arte. Além disso, essa concepção é espacial (como os 23 graus de alinhamento do trabalho de Nelson Félix) permitindo avançar na compreensão do fenômeno que se descortina na minha frente. Tudo isso em si já me move no gozo da arte. Mas mesmo que todo gozo seja efêmero e haja a intenção de permanecer nele, os elementos (e instrumentos) que fazem com que minhas mãos toquem o teclado ainda são envoltos num total arrebatamento da arte.Aqui palavras, outrora colagens. ​Difícil falar das relações que conduzem os trabalhos de arte contemporânea sem a linearidade e a imposição das coisas na ficha técnica. Existir não deveria ser estar submetido à nenhuma regra matemática. Mesmo num texto a contagem das palavras mantém uma camisa de força. Isso porque estamos nos liames das coisas tentando fazê-las, tensionando, subvertendo, raspando o taco da materialidade das coisas. As coleções são lidas também, interpretadas, agrupadas em conceitos, tanto as de arte quanto as de outra ordem quaisquer. É porque nelas habita os ‘entres”, os precários “arquivos” (Borges), e as associações (Barthes…). ALINE REIS | 3 agosto 2021
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